quarta-feira, 24 de março de 2010

Sodoma

Uvas, óleos, pilastras, servos...
Praia, fim de tarde, vestidos, sorrisos.


Felicidade de alma vs. felicidade da carne. Ambas inacessíveis; trancafiadas em um lugar sem esperança. Ambas enfraquecidas, moribundas.
Por que impossíveis? Deve ser porque eu escolhi o caminho da "verdade", escolhi o caminho de querer saber por que as uvas nascem e porque o sol brilha. CIÊNCIA e CONHECIMENTO, ambos são responsáveis por minha ruína; ou não. Ou será que eu causei minha ruína? Minha ruína? Minha...
Lá eu não teria egoísmo, eu seria normal e a fruta teria mais gosto; lá não existiria ambiguidade como aqui, como agora usei e uso até agora.

Picture yourself in a boat on a river...  
O começo é mais ou menos assim.
Imagine-se em um barquinho no rio, o barco que você produziu, com as pessoas que você induziu com tudo o que você sempre sonhou, com uma pessoa só para amar, com não só um Deus para adorar, com tudo o que é belo a vista, com tudo o que querias ter no seu lar. Imagine, mas não imagine nada material... Imagine o sol nascendo no mar e você abrindo os olhos em frente, contemplando cada grão de areia em seu corpo salgado, a água azul querendo combinar com seus olhos, não é quente nem frio e aqui você pode voar. Você pode, você pode flutuar até a árvore mais próxima, você pode... Você pode escutar os sons do universo traduzidos em canções de amor; você pode ser leão ou gato, você escolhe! Não é lindo? Olhe o mar ao seu redor, olhe os galhos das árvores cantando e agora a chuva cai, a chuva caí e você agradece a qualquer deus, você bebe da água que te tornará imortal, a água que daqui a alguns instantes correrá por suas veias; massegeando-as. Pense agora se você quer ser vilão ou mocinho, pense que você tem um violão nessa terra aonde o dono, o rei, a rainha é você. Viaje, flutue, ria do som das águas do mar que vão e voltam, mas não te invade a alma ainda. Aproxime-se do mar, sinta a areia embaixo dos seus pés, pense que você pode andar sobre as águas; sinta a água bater levemente os seus dedos e então você se esquiva, pois quer viver o momento lentamente, quer viver o céu e o inferno que é ter o que se quer... Você quer ser lambuzado pela água do mar, pela água que um dia caiu do céu de alguma forma. Você quer furar a terra para se esquentar, achar abrigo no magma; você quer ser um vulcão, você é! Você quer alimento, então vá! Corra! Fuja para algum lugar no meio desse paraíso, pois todos irão te seguir. Voe em seu tapete mágico! Voe! Vá! Essa é a vida, agora pare para escutar o som da cobra em um tronco, escute-a!

A voz dela é macia, a voz dela te seduz... Ela te convida para dançar a dança mais pecaminosa. Mas como? Aqui não existe pecado! Pelo menos não aqui nesse lugar puro, sinta a brisa mais uma vez; se lembre do sol surgindo do mar, mas não se esqueça de ouvir a serpente que tem a voz tão suave que te provoca arrepios de desejo. Você a quer, você está prestes a desistir do paraíso para viver com muitos vinhos e uvas em Sodoma e Gomorra. Você não liga para o fogo que vai te queimar, você irá rir. Imagine agora, o pecado personificado te servindo com uvas à boca; servindo-te com maldade nas mãos; tudo do mais impuro e bom; tudo do mais chulo; tudo do mau, mas bom. Imagine! Você não está imaginando, você está vivendo. Então que viva a maldade nos olhos da pecadora que te convida e do vinho derramado pelo corpo manchando os panos enroscados; viva esse festival de pecados aonde 100 almas são perdidas de uma vez só; viva o sangue que está pulsando em todos os lugares agora, viva ele pulsando cada vez mais, tomando vida, te dominando. Viva! Viva esses prazeres, nem que eles te proporcionem apenas alguns segundos. Jogue-se no chão, sinta como qualquer um aqui; viva o pecado desde o instante que abandonaste o paraíso. Vamos, viva! Essa é a consequência de você ter deixado o paraíso: Você foi condenado a morrer do mais impuro prazer. Da carne, do sangue que é derramado, das pessoas que são corrompidas.
A fogueira queima, ela arde em demasia... Mas sinta a risada em seu rosto possuído e corrompido pela serpente. A serpente é... A serpente! Trouxe-te até aqui... Viva agora o fogo que te queima, ele te sustentou até agora, mas aqui é o pouco final.
Lembre-se das 100 almas perdidas ao mesmo tempo e ria mais, você foi feliz. Lembre-se do sol nascendo e da serenidade ao escutar os sons do universo. Lembre-se!
Viva!
Agora você só é cinza de uma felicidade manipulada pela voz suave da serpente.
Mas se você não quiser ser queimado em uma fogueira, viva apenas os prazeres de sua mente.

sábado, 13 de março de 2010

Homenagem.

Ela estava lendo, aparentemente inofensiva com o livro sobre a carteira. Suas mãos folheavam as páginas como se elas a ofendessem; o vento se deliciava ao encontrar seus cabelos lisos que se cacheavam ao virar de seu pescoço, limitando-os e espalhando o seu perfume cítrico. Seus olhos esverdeados criminosamente desenhados desenhavam página por página seu futuro, escrevendo assim outra história mentalmente com a malícia de suas mãos.


As unhas compridas que ela possuía pareciam arranhar o papel; seus dentes pareciam fazer seus lábios sangrar enquanto sua língua passeava silenciosa pela boca. Suas pernas ora separadas, ora juntas formavam um quadro cheio de mensagens subliminares.
Ela era o pecado! Ela era o pecado que me atraía para um poço de sangue; ela era a ponte para a inquisição que carregava nos olhos.


Suas bochechas levemente rosadas faziam com que suas palavras firmes se transformassem em canção de ninar. Seus lábios vermelhos deveriam ser proibidos e arrancados, mas nem assim seus sinais de beleza espalhados estrategicamente pelo rosto pareceriam sem valor.
Seus cabelos novamente iam para trás, espalhando sua cor castanha; fazendo-a deixar de sentir o que lia para prestar atenção no que pensava; no que tramava. Não era bom nem mau; era apenas digno de desejo de lê-lo. Eu queria saber o porquê da minha atração com aquela menina com pensamentos indecifráveis.


Fora quando lia incessantemente, nada falava em voz alta e quase sempre sabia a resposta das coisas. Ela queria ser um tesouro; ela queria que se acostumassem com sua ausência de argumentos para que fosse ouvida quando optasse pela oratória.
Seus monólogos interiores pareciam a assustar, seus olhos gritavam em glamour. Seus olhos fantasiavam, reviravam... Às vezes pareciam apavorados, às vezes satisfeitos.
Escutei-a uma vez falando algumas palavras em Inglês, em Francês... Eu a admirava, eu a desejava com toda e qualquer força que existia dentro de mim, mas essa força se tornava fraca perto daquele olhar.


Eu me sentia perfeitamente atraída a ela e ela a mim, porque ela era eu em minha mais explícita forma: éramos a mesma pessoa. Se aqui "morrêssemos" e "entrássemos" em estado de putrefação; nasceria uma linda flor de Narciso.





P.S.: Texto em homenagem narcisista à mim - é claro.